As tarifas do transporte público podem ter aumentos acima da inflação, dependendo das especificidades da atividade e do cálculo dos reajustes. Diferente dos contratos imobiliários, por exemplo, onde os valores dos aluguéis são reajustados apenas pelo IGP-M, a definição das tarifas do transporte coletivo por ônibus deve ter como referência uma série de itens de custo. Para entendermos como devem ser definidos os reajustes, é importante compreendermos dois aspectos fundamentais: como são calculadas as tarifas; e o impacto da variação de custos dos principais insumos.
Fundamentalmente, o cálculo da tarifa é a soma dos custos necessários para operação, remuneração e tributos incidentes sobre o serviço dividido pelos passageiros pagantes. A Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) consolidou esse conceito no novo Método de Cálculo dos Custos dos Serviços de Transporte Público por Ônibus.
De acordo com essa metodologia, os reajustes devem considerar a variação de preços dos principais insumos do setor (combustível, salário dos motoristas, peças e acessórios e pneus). Juntos, esses itens representam 79% do valor da tarifa e são normalmente reajustados acima da inflação. Em 2017, somente as variações acumuladas da mão de obra e do preço do óleo diesel foram 2,3% e 5,4%, superiores ao IPCA do mesmo período, respectivamente. A mesma análise para as últimas décadas (1995-2017) revela diferenças de 138,5% e 239,2%, respectivamente, de acordo com acompanhamento realizado pela NTU (2018). Nos últimos 12 meses, o aumento combinado da mão de obra e do óleo diesel representou um impacto de 4,5% nas tarifas, acima da inflação do período (2,9%). Além disso, o consumo desses insumos é aumentado pela perda de produtividade, em função dos congestionamentos, que implica no uso de mais recursos (veículos, pessoal e combustível) para produzir cada vez menos (passageiros transportados e pagantes).
Compreender melhor como deve ser realizado o cálculo dos reajustes nos permite chegar à seguinte conclusão: sem qualquer mecanismo de financiamento público e sem intervenções de priorização do transporte coletivo para reduzir custos, as tarifas podem sim aumentar acima da inflação. Simplificar o reajuste à utilização de um único índice, como o IPCA, além de não corresponder à realidade, compromete o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e, consequentemente, impacta negativamente na qualidade do serviço. O mais importante é que os reajustes garantam a cobertura dos custos para operação. Isso é o que tornará possível a oferta adequada do serviço e a manutenção da qualidade do transporte público. Adicionalmente, também devem ser considerados no cálculo dos reajustes quaisquer custos adicionais relacionados às condições particulares contratuais e operacionais de cada cidade (aquisição de novos ônibus, implantação de ar condicionado, adoção de veículos menos poluentes, disponibilização de internet para os usuários e novas tecnologias, por exemplo).
Negligenciar os reajustes necessários, desconsiderando a metodologia de cálculo adequada e o real impacto dos insumos que a compõe, pode levar ao colapso total do sistema. As consequências são o endividamento e a falência das empresas operadoras. Segundo pesquisa realizada pela FSB Comunicação (2017), entre 2014 e 2016, 25,9% das empresas não tiveram os reajustes de tarifa previstos em contrato, o que contribuiu para o endividamento de três a cada dez empresas entrevistadas (a receita não correspondia aos custos dos sistemas). Além disso, 10% das empresas encerraram as atividades. Esse cenário apresenta sequelas que vão além da ausência da prestação dos serviços, mas apontam para um total abandono do transporte público, que é um direito social da população garantido pela Constituição Federal.
Texto: Filipe Leonardo Cardoso e Matteus Freitas
* Artigo publicado na revista NTUrbano, ed. 31, jan/fev 2018.