Em meio ao reajuste anual das passagens de ônibus urbano em todo o país, o debate sobre a qualidade do serviço volta à tona.
O conflito “aumento da tarifa versus a melhoria do transporte” segue sem solução, até porque a resposta à legítima reivindicação da sociedade passa por questões que estão além do valor das passagens.
O setor de transporte público por ônibus alerta para a importância do cumprimento dos acordos firmados com o poder público, o que inclui os reajustes necessários para o equilíbrio financeiro dos contratos e a manutenção do serviço, mas reconhece o esgotamento do atual modelo sustentado pela tarifa.
Nele, o passageiro arca com a totalidade dos custos do serviço, incluindo gratuidades e outros benefícios tarifários concedidos sem a previsão de fontes de recursos.
Nenhum país que oferece transporte de qualidade caso de Canadá e França tem modelo igual ao brasileiro. Transporte de qualidade é caro e depende de um tipo de financiamento que não onere quem mais precisa dele.
A questão do reajuste tarifário de coletivos urbanos é a ponta do iceberg. Há uma situação muito mais grave, que permeia a degradação do serviço, e precisa ser discutida.
Aumentar tarifas é necessário no atual contexto para corrigir os custos da operação, mas não melhora a qualidade do serviço. O valor decorrente das passagens não é suficiente para cobrir todos os investimentos que um transporte de qualidade requer, principalmente no que se refere à infraestrutura.
Há alguns anos o setor vem propondo políticas públicas que priorizem o transporte público. A proposta passa por um novo método de cálculo das tarifas, redução de incentivos ao transporte individual e adoção de iniciativas para reduzir o tempo das viagens e reconquistar a confiança do passageiro.
O transporte coletivo de qualidade traz benefícios que extrapolam a redução do preço das passagens. Prevê deslocamentos feitos de forma racional, acessível, segura, eficiente e minimiza os níveis de poluição ambiental.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um ônibus levando 45 passageiros sentados polui 80% menos por usuário que um automóvel em sua situação normal, que transporta 1,3 passageiro por veículo em média.
Para que o Brasil alcance a excelência no sistema de transporte público é preciso planejar e organizar a ocupação das cidades, com a estruturação de sistemas que funcionem de forma integrada, multimodal e tenham papel central no desenvolvimento urbano.
Tudo isso pode ser concretizado a médio e longo prazo, mas necessitamos de um pacto social, o compromisso formal do poder público e do setor privado em adotar as medidas de prioridade e rever o modelo de financiamento baseado fundamentalmente na tarifa.
Quanto mais espaço viário dedicado aos ônibus, menor será a ineficiência de toda a mobilidade urbana. O caso de São Paulo é um exemplo disso. As faixas exclusivas implantadas em 2015 e 2016 melhoraram não só a vida de usuários dos coletivos, como também contribuíram para que o tráfego ficasse menos caótico. O desafio está posto às lideranças políticas.
Otávio Vieira da Cunha Filho
Presidente executivo da NTU
* Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, 20/2/18